city-scape

segunda-feira, outubro 17, 2005

 
MACAU
(...) Pareceu-me um exercício interessante parar no frenético modo de vida que sempre me persegue e pensar nos elementos que cedo formaram os ‘preconceitos’ que tenho deste lugar. Em Macau a característica territorial talvez mais marcante será a conquista de espaço ao mar – um processo que desde cedo existiu e que está longe de ter terminado. É certo que as cidades nascem no planeamento, sendo os edifícios o resultado dum sistema que prevê infraestruturas e acessibilidades. São eles, no entanto, que imediatamente nos atraem o olhar. Intuitivamente, ao contemplar Macau quando chegado do Ocidente, gravei uma série de imagens na memória, tratava-se de um mundo novo e desconhecido, imaginário do desenvolvimento do Oriente.
Edifícios massivos, destacavam-se imediatamente das referências até então mais próximas, os blocos habitacionais da Europa de Leste. Macau caracterizava-se por uma apropriação intensa por parte dos ocupantes. Estes edifícios não me chocaram só pela grandiosidade, impressionaram pela diversidade. Prevista, acrescentada, exagerada.
É interessante descobrir, hoje, que o que me fascina nestas construções não é certamente a elegância, não é a harmonia, será talvez a fealdade, eventualmente a degradação provocada pelo uso, pela insistente rotina de numerosas famílias que caminham pelas ruas, frenéticas, que falam, compram, vendem, trabalham – e vivem numa casa.
É uma beleza que me atrai, a das cidades, mais do que a do mundo rural. Nas cidades queremos prédios, confusão, barulho, comércio, serviços, carros, semáforos, lojas, gente a viver e a divertir-se, ou a stressar com o repouso. Periferias, zonas industriais: em Macau a própria cidade é tudo isso (fábricas em altura ladeadas por habitação e estacionamento...).
Julgo que o trabalho dos arquitectos, numa época de mudanças e prosperidades, deve ser o de compreender e interpretar estas heranças construídas. Como português-europeu-ocidental parece-me que o caminho a seguir deverá ser o de contribuir com uma visão crítica, abstracta e positiva para o crescimento da cidade.
A abertura da China ao Ocidente deve ser entendida no sentido de combinar, baralhar, simplificar, filtrar os elementos da sua arquitectura – só assim se garantirá a imagem homogénea de um território contínuo, com carácter, contemporâneo.
(...) Na minha opinião devemos dar continuidade à rota que alguma arquitectura em Portugal e na Europa segue, conjugá-la a tendência que Macau nos oferece: e assim garantir que continuamos presentes na história deste lugar. Julgo que a questão não deverá ser só a de seguir o rumo da pressão económica, a arquitectura deve permanecer forte e determinada na busca de um contributo cultural e social. Para tal, mais do que acompanhar as correntes do nosso tempo, considero que devemos antecipar o futuro – é afinal esse o papel do arquitecto, imaginar uma paisagem construída que mais tarde fará parte do imaginário de um determinado lugar.
Há que saber amparar e acompanhar Macau na ambiciosa conquista do mar, já que afinal foi essa ambição que um dia nos fez enfrentá-lo.
Paulo Moreira
(texto entitulado 'A Imagem da Cidade' publicado no jornal 'Hoje Macau' em 04.05.2005)





<< Home

Archives

outubro 2005   novembro 2005   dezembro 2005   janeiro 2006   fevereiro 2006   março 2006   abril 2006  

This page is powered by Blogger. Isn't yours?