city-scape

terça-feira, março 28, 2006

 
SARAJEVO
agosto 2003:
Cheguei a Sarajevo vindo de DubrovniK na Croácia, depois de falhado o objectivo Sérvia, por que nao seguir até Budapeste via Sarajevo? Após uma noite em Ploche (surreal, mas para um outro relato) eis que chego à velha capital. É dificil descrever o q se sentia por lá. Mal pisamos o cais de (des)embarque vimos um governante qualquer entrar para um comboio, nao teríamos reparado nisso n fosse o exército de guarda-costas que o rodeavam nao faltando ao cenário as metrelhadoras e as espingardas. Confesso que me interroguei se já teria acabado a guerra! uma estaçao desolada, uma arquitectura semelhante ao mercado municipal do Bom Sucesso, no Porto. Necessitava de restauro, éramos no maximo 20 pessoas debaixo daquela nave imensa, nós e um mural gigante pintado de fresco com um anúncio da coca-cola! Acreditem era melhor a visao do reboco velho descascado. Senti-me estranho ao ver aquele exemplo de publicidade pura e dura numa cidade onde há tanto mais para fazer. Sem mochila às costas havia que aproveitar o único dia em que iria estar na cidade. No posto de turismo jaziam posters ‘vintage’ nas vitrinas, alusivos ao comboio rápido (1980) ou aos jogos olímpicos de inverno (1984). Nao foram escolhidos por nenhuma opçao retro, a sua permanencia justificava-se com o ‘esquecimento’? nao sei... mas acreditem, para esta gente o tempo parou. Nao vi pontes, arquitectura de autor ou atracçoes de turismo local. Vi tristeza na rua, edifícios com buracos, sinaléticas a proibir a entrada de armas em cafés e Sinagogas!
Os capacetes azuis passeavam pela rua. Eram eles e o contra poder, gangs de jovens em atitude de provocaçao que surgiam de ruas menos centrais. Multibancos - encontrei um, com fila onde se falava tudo menos os dialectos dos Balcas. Afinal até ficava ao lado do edifício onde se situavam os escritórios internacionais e os departamentos locais das Naçoes Unidas, por momentos senti-me num bairro comum a tantos outros da europa do leste. O dia foi passando, apercebi-me que aquele cenário de tranquilidade descrito anteriormente era uma excepçao, ao vaguear pelas ruas bonitas e violadas só me vinham à cabeça imagens das cidades invisíveis de Italo Calvino. Confesso que saí de lá perturbado, se calhar pela visita à mesquita onde falámos com o ‘sacristao lá do sítio’ que desabafou durante largos momentos. Aquele povo tem sede e fome de tudo, a guerra congelou-os em todos os sentidos, no tempo e modo de pensar, sao pessoas frias, tristes, mas acreditam em algo... naquele dia em que tudo irá passar. Nao sei se terei vontade de lá voltar, tenho receio de encontrar uma Sarajevo capitalista, semelhante a outras capitais Europaístas. ...Gostava sim de poder ter conhecido Sarajevo em 84, na magia das Olimpíadas, e poder viver a magia com que aquele povo sonha quando vai dormir...
Tiago Oliveira, março 2006

sábado, março 18, 2006

 
PORTO

O PORTO, A PONTE DE D. LUIS E O METRO

Quem é do Porto vai entender-me.

Quando não existia a ponte da Arrábida o regresso ao Porto tinha de ser feito pela ponte D. luís.

E depois era mais prático entrar pela da Arrábida, mas tínhamos a possibilidade de fazer mais uns km, mais uns minutos no carro e podíamos se quisessemos ter aquela emoção de ver o Porto aproximar-se lentamentente, ou nós a aproximarmo-nos lentamente do Porto.

E nem que a ausência não tivesse sido muito longa, era sempre bom sentir aquela imagem silenciosa, tranquila e impávida a acolher-nos. Uma estrutura sólida, densa, na qual sentíamos que íamos entrar e ficar lá dentro protegidos, como se voltássemos ao útero da nossa mãe.

Como é que deixámos que nos tirassem esse prazer? Ou que nos tirassem a hipótese de o podermos ter quando sentíssemos essa vontade?

Como foi que ficámos despojados de podermos emocionar-nos com a visão do Porto a engolir-nos no regresso a casa?

Manuela

 
ESMERALDAS

A CIDADE MAIS FEIA DO MUNDO

De férias no Equador! Um sonho de criança revelou-se realidade. Afinal eram reais as fotografias da National Geographic, vistas e revistas vezes sem conta. Ou seriam as recordações das aventuras do tin-tin?Não interessa, o importante é que ali estava eu, naquele país inacessível com floresta amazónica, montanhas intransponiveis com vulcões cobertos de neve como nos desenhos animados, com ilhas povoadas por seres estranhos e felizes (iguanas, tartarugas,pinguins,todos em feliz harmonia como se estivessem ainda no jurássico).

E como corolário , para retemperar as energias gastas em tanta novidade e tanta emoção, uns dias numa praia quase deserta, próxima de uma aldeia de descendentes de escravos fugidos aos espanhois,refugiados na costa do pacífico, onde conseguiram sobreviver dedicando-se à pesca.

Mas tanta natureza também cansa, e a tentação de visitar uma cidade desconhecida, a poucas centenas de Km foi aumentando, enquanto a tosta ao sol aguçava a curiosidade, e a imaginação arranjava motivos dignos das aventuras lidas no Cavaleiro Andante para justificar aquele nome tão apelativo: "ESMERALDAS"!

Seria o local de um tesouro escondido?, haveria minas de esmeraldas que só alguns iniciados conhecessem e se tivessem esquecido de revelar?

E assim, o apelo do nome, e a vontade de conhecer a cidade ,sobrepuseram-se ao prazer de emitar as iguanas ao sol e os lobos marinhos na água.

Aproveitando a boleia na caixa aberta de uma camionete igual à da série americana Viver no Campo, conduzida por um galego que se perdeu e foi dar àquela costa, lá partimos entusiasmados com a perspectiva de conhecer Esmeraldas.

E foi uma emoção indescritível. E espero que seja também irrepetível.

É que Esmeralda foi nesse dia classificada como a cidade mais feia do mundo. Não pode haver pior. Nem mais feia, nem mais desordenada, nem mais porca, nem mais inóspita, nem mais desorganizada, nem mais perigosa, nem mais nada.

É o prinicipal porto exportador de petróleo do Equador,está rodeada de refinarias, e os contrafortes dos Andes que a ladeiam a leste foram completamente desflorestados para plantar bananeiras. Há Km e Km de terra cobertos pelas sacas azuis de plástico que utilizam para cobrir os cachos de bananas antes de os cortarem.

A entrada da cidade é anunciada por dezenas, isto é, centenas de abutres que fazem voo razante sobre os visitantes enquanto se aproximam da lixeira a céu aberto que ocupa centenas de metros da berma da estrada e que em algumas partes a invade. E ao levantarem voo voltam a saudar-nos de perto, mas aí já com o bico e/ou as patas ocupadas com restos de animais que os açougues aí depejam (tripas, peles, eu sei lá mais o quê).

O cheiro nauseabundo é ampliado pelo calor dos trópicos, e tudo isto apreciado de uma caixa aberta de uma camioneta ridícula e a ameaçar desfazer-se nas curvas, e a tentar em vão desviar-se dos buracos, tem outro impacto!

Entrando no perímetro urbano, a orientação é difícil, nem dá para entender para que lado é o porto, o centro, ou o mercado.

Só mesmo o Galego de que já esqueci o nome nos podia orientar, já que é lá que se abastece para o restaurante que tem na praia, mas o homem não foi de guia turístico, só nos fez o favor de nos dar boleia. E tinha mais que fazer, comprar camarão descascado, peixe fresco e fruta.

Bem que nos avisou, bem que achava estranho querermos ir a Esmeraldas.

Desapeados da camioneta, lá fomos perguntando aos autóctones, que tão admirados estavam de ver estranhos a querer visitar Esmeraldas, que até se esqueciam da pergunta, isto é, de nos dar resposta à primeira, mas lá fomos sabendo que o mercado é muito perigoso para estrangeiros.

O porto é inacessível. O centro não é identificável.

O transito é caótico. Os passeios quando existem estão a 50 cm do pavimento das ruas, que está esburacado

O comércio era o equivalente ao refugo , ou melhor ao saco do lixo dos armazéns chineses da zona industrial de Vila do Conde.

Depois de bebermos qualquer coisa num restaurante que era também o posto do correio, lá nos encontramos com o nosso motorista, e encetámos a viagem de regresso, partilhando a caixa aberta com os víveres. Foi a sorte dele, porque os defendemos com toda a nossa força e argúcia dos abutres que nos esperavam à saída da cidade.

E nessa noita, revendo a experiência no areal morno de Muisne, elegemos Esmeraldas como a cidade mais feia do mundo.

Manuela

terça-feira, março 07, 2006

 
HELSÍNQUIA
(Helsínquia tem fé nos arquitectos - modernos - assim se percebe que o seu carácter Carta de Atenas tenha resistido às mais variadas reviravoltas políticas; cada um tem a sorte que merece.)

1.
O projecto de Helsínquia é feito em papel vegetal, sob papel milimétrico. Traçam-se com regra as várias redes de transporte, desenham-se cuidadosamente os centros públicos e preenchem-se, com gosto, as tramas de parques e jardins. A maqueta de Helsínquia faz-se com duas folhas de madeira, recortam-se livremente toda a espécie de lagos, baías, cabos e penínsulas – construindo um tabuleiro harmonioso de cheios e vazios no qual sabiamente se implantam os volumes sob a luz do sol.

2.
Num dia de Verão, uma das melhores promenades que Helsínquia nos oferece serve quem acaba de chegar à cidade, por comboio. Em direcção a Sul, e antes de começar a descer a Esplanadi em direcção ao Báltico: comprem uma mão-cheia de amoras e comecem uma conversa com alguém na rua, assim se conhece a cidade que não pode ser desenhada.

Miguel Araújo
Porto, 13 de Fevereiro de 2006

domingo, março 05, 2006

 
BORN
Um bairro na cidade velha habitado por gente nova. Nas ruas há raparigas loiras a passear cães pequeninos. Não se fala tanto catalão como castelhano ou inglês.
A primeira casa tinha uma entrada que dava para um pátio. Uma segunda porta que rangia muito e umas escadas confusas, uns 10 lanços com diferentes direcções até ao primeiro piso. A casa era pequena, o meu quarto não tinha janelas nem chegava a 6m2. Mas era muito alto, toda a casa tinha 4,8 metros de pé direito. A sala tinha uma varanda onde me sentava às vezes a olhar para a Igreja de Sta Maria del Mar. Era o melhor espaço da casa. Vivia com três suecas de 25, 27 e 29 anos e respectivos cães pequeninos.
A segunda casa fica a 3 minutos. É um edifício grande e imponente com 170 anos. Tem uma arcada em 3 lados com uns 4 ou 5 metros de largura, pilares de pedra fortes e maciços. Na esquina fica o Restaurante 7 Portes que é muito concorrido, nunca entrei mas já ouvi a música do piano e espreitei pelos vidrinhos ligados por molduras de chumbo. Uma espécie de rua pedonal atravessa transversalmente o edifício. Chove no centro desta passagem e já me disseram que em Nápoles as casas também são assim. Moro no último piso: 2º para os espanhóis mas 4º na nossa nomenclatura. O último é o mais baixo, tem cerca de 3 metros de altura. O mais alto é o Principal. O puxador da porta é cerâmico, tal como na primeira casa. Há 2 salas ligadas por 2 átrios. Todas as portas e janelas das salas e átrios estão alinhadas frente-a-frente, coincidindo com o eixo de simetria do edifício e consequentemente do quarteirão. O meu quatro tem cerca de 30 m2. Tem uma pequena varanda virada para o Born. O pavimento é cerâmico e colorido, um puzzle que forma um padrão típico das casas de Barcelona. Tenho uma cama grande e um estirador antigo que encontrei, limpei e montei.
Nas traseiras da minha casa fica a Champanheria. Na Champanheria bebe-se cava e come-se sandes de lombo com queijo ou pimentos. A Champanheria está sempre muito cheia, come-se de pé e apertado e normalmente conhece-se ou encontra-se gente. Vou à Champanheria pelo menos uma vez por semana, é bom, barato e tem carisma.
Nos fins-de-semana gosto de ir às Pizzas del Born. As pizzas del Born são argentinas. Nos Sábados ou Domingos à tarde em que vou às Pizzas del Born tenho conversas e ouço uma música agradável. As pizzas vendem-se em porções de 1,5 euros. Às vezes reparo que cada mesa tem coca-colas e gente que não tira os casacos nem os cachecóis, como eu, não por ter frio mas por preguiça. As conversas-do-dia-seguinte vão fluindo, às vezes estou distraído a ouvi-las e reparo que se decide fazer uma tatuagem num dia como esses. Algo que a sueca Tove já me havia mostrado, vem tatuando o corpo desde há 6 ou 7 anos, e nunca vi ninguém em que ficassem tão bem.
Paulo

sábado, março 04, 2006

 
MENDRISIO por Paulo Moreira

We do like to see the skyline and citylife of New York or Tokyo and then come back to the green fields, you know, and do nothing. And sleep. And do that again and again. Miss Kittin & The Hacker, ‘You and Us’

Viver em Mendrisio foi ir a Lugano, Chiasso, Bellinzona, Valle Maggia, Flims, Vals, Chur, Haldenstein, Vrin, Brissago, Zurique, Lucerna, Berna, Basileia, La Chaux-de-Fonds, Genebra, Neuchatel, Murten, Yverdon, Como, Veneza, Verona, Pavia, Milão, Vicenza, Ronchamp, Moulhouse, Barcelona, Porto, Berlim, Cottbus, Dresden, Praga, Brno, Viena, Budapeste, Zagreb, Ljubliana, Zadar, Sarajevo, Mostar, Dubrovnik, Podgorica.

Viver em Mendrisio foi conhecer Karlsruhe, Lagoa, Famalicão, Tucuman, Tiblissi, Timisoara, Scutari, Maiorca, Madrid, México, Corunha, Barcelona, Hamburgo, Varese, Bucareste, Haia, Paris, Lausanne, Marselha, St Gallen, Tokyo.

Mendrisio é um lugar onde pessoas com um interesse comum se juntam provisoriamente. Semanalmente os professores chegam de Haldenstein, Viena, Lugano, Nova Iorque, Zurique, Milão, Paris, Roterdão, Barcelona, Lisboa.

As pessoas conhecem-se. Conhecem-se muito. Almoçam juntas. Trabalham juntas. Vivem juntas. Cozinham juntas. Viajam juntas. Bebem e divertem-se juntas. Em Mendrisio ninguém é de Mendrisio. Sou de Mendrisio quando saio.

 
BASEL por Paulo Moreira

É uma cidade de contrastes. Entre o muito bom e o muito mau. Não me interessa se uma cidade tem 200 museus (não é uma força de expressão, a cidade tem mesmo 200 museus). 1 por cada 1000 habitantes mais ou menos. É bom como fomento da arte e da cultura, mas uma cidade precisa de vida. Não deixo de agradecer que a cidade seja assim, porque me obrigou a saír sempre que podia e assim nasceram estes relatos.

Festas ilegais debaixo de um viaduto, multas por andar de bicicleta com luz azulada em vez de ser branca. Festas numa fábrica caótica, multas por andar de bicicleta no passeio numa rua que só tem um sentido. Festas num Areal que se esqueceram de organizar, multas por ser preto. Festas num armazém grande e escondido, multas por festejar um golo aos berros. Festas numa casa com quatro pisos, multas por não ter o selo na bicicleta. Festas por que não, multas por que sim.

quinta-feira, março 02, 2006

 
K L por Zé Cláudio Silva

A aproximação à cidade é feita de táxi, por uma elegante e invejável auto-estrada, impecavelmente tratada e sinalizada que liga o Norte ao Sul da Malásia, e, no caso, o aeroporto ao centro de Kuala Lumpur. Tudo muito verde, muito limpo, muito perfeito. De quando em vez vislumbram-se, por entre coqueiros e palmeiras e, possivelmente, assinalando um qualquer lugar sagrado, minaretes e cúpulas islâmicas...

Progressivamente, com o aproximar à metrópole, as densidades mudam... Surgem blocos habitacionais... Ouso identificá-los com vestígios formais do Modernismo... Civilizados... Sem apropriações nem acessórios no exterior que não sejam somente testemunhos da urbanidade, de vivência, de ocupação – soutiens, burcas, toalhas penduradas... Estaremos na Ásia-Oriental?... Lá para dentro – senti que o caminho era uma circular urbana – as torres! Aglomeradas, por sinal. A imagem da cidade é verde, horizontal, por regra plana, contrastando com torres somente dentro dos limites do Central Business District, do “Golden Triangle”.

Cidade-jardim por convivência, influência e ocupação inglesa, cidade-mundial, pela mescla de culturas, pela confluência de gentes: descendentes indígenas, chineses, indianos, indonésios, ingleses e filipinos, taoístas, confucionistas, budistas, hindús, muçulmanos, ateus e agnósticos... Cultura e Civilidade. Tolerância e convívio. Para um turista, facilmente camuflável, por sinal: cidade-contraste, riqueza, surpresa, conforto...

Perdendo-me pela cidade, a surpresa é constante, a história é presente. A estrutura é clara. Salvo a espaços, onde os bairros são estruturados e a ordem é evidente, bairros hierárquicos sem serem necessariamente previsíveis, a validade objectual da arquitectura prevalece em relação ao urbanismo estruturado. A individualidade é exaltada. A identificabilidade de princípios anglosaxónicos coloniais é afirmativa, exclamativa até... São exemplos dessa herança os expressivos edifícios neo-clássicos com reminiscências mouriscas, árabes ou bizantinas onde pontificam os arcos e as cúpulas tais como o “Sultão Abdul Samad” ou o “Royal Selangor Club” – uma versão “britânica” da arquitectura tradicional malaia ou ainda a inevitável Estação de Caminho de Ferro. Herança esta, comum das cidades que tiveram a Inglaterra como força colonizadora tais como Hong Kong, Bombaím e talvez Joanesburgo, entre outras...

Penetrando pela cidade mais recortada, mais densa, mais plana e baixa e guiando-me pelos minaretes e cúpulas das múltiplas mesquitas, às quais ìa tentando visitar, vou encontrando, por vezes, uma cidade mais surpreendente ainda, um bairro mais homogéneo, uma referência mais discreta, um templo hindú. Por entre rituais descalços, a que aderi, por entre os sons de oração vou sendo recebido como um dos demais... Os “demais”, já agora, tinham olhos afunilados, uns, outros a pele escura, mas todos uma pinta vermelha na testa e muita amizade, vontade e... comida para partilhar, sim(!), comida. Insisto no conceito “cidade-mundial”, uma adaptação social ao conceito económico-financeiro “cidade-global” de Saskia Sassen.

Continuando perdido pela cidade, ao som dos corvos e do tráfego, ao cheiro dos tandoris, dos kebabs e dos congees, mas ao ritmo dos edifícios... Uns anónimos, outros de cores fortes estilo-indiano assemelham-se, contudo, aos de La Habana ou aos art déco da orla interior portuária de Macau, estes por ora já demolidos, por sinal de um despegado pragmatismo urbanizacional macaense... Enfim... Voltando... Uns tinham arcadas que protegiam os caminhos da violência solar, outros um páteo à entrada e varandas no primeiro andar... Edifícios de bairros que ligavam os meus destinos, levemente planeados com auxílio, agora, do inevitável guia da modernidade e da preguiça - o lonely planet...

Chinatown! Resquícios de uma banalização de outras versões, tão autênticas(!), como as de São Francisco ou, possivelmente, da vizinha Singapura... Até os intérpretes feirantes de objectos falsificados, tão típicos nas “towns of China”, são “não-chineses”... Bangladeshianos(?) talvez... Por meio destes beberes da cidade vou cruzando as vistas com edifícios, uma vez mais, pontuais, singulares, profundamente objectuais e iconográficos, mas de uma contemporaneidade de exaltar... Adequados ao lugar e às culturas, sobretudo. Ensaios vanguardas como a abstratização de símbolos islâmicos e exploração dos seus valores arquitectónicos, resultaram em edifícios de fachadas modernas e contemporâneas... Exemplos do Kompleks Dayabumi ou do Museu de Arte Islâmica, actual, racional mas surpreendente, subtil na luz e exaltante no pormenor, ou da Mesquita Nacional, que edifício! Islâmico e Modernista(!?), arriscaria... Por vezes até vanguarda para os nossos dias e para os “pré-conceitos” que se atribuí, recursivamente, à presente cultura dominante, a islâmica... Ao melhor nível do que se pudera, em tempos, encontrar em Bagdad, acredito eu... Entre o moderno clássico e o racionalismo Kahniano sem deixar de fazer lembrar a subtileza e controle material mais contemporâneos de Zumthor e do domínio do uso da luz em Vals... Emociona, verga, converte!

Rumo à cidade-moderna!... “Golden Triangle”!... “Golden” pela pujante arquitectura da riqueza, do sucesso, do petróleo e do turismo, das Petronas e da KLTower... “Triangle” pela delimitação física através de três largas avenidas. A desordem e a dispersão são evidentes mas amenizadas pela densidade de vegetação e facilidade de deslocação pedonal. Uma vez mais relaciono com a estrutura e a imagem herdada dos ingleses. “Little Hong-Kong?”, “Little Mumbai?”... Os edifícios alternam entre hotéis, escritórios e os verdadeiros mega-templos da modernidade - os centros comerciais. São serpenteados pelo monorail, igualmente pragmático como o skytrain de Bangkok, na estrutura e no percurso, mas mais subtil na existência física e na distância ao construído... Pensado, integrado e parte da imagem da cidade.

Finalmente, e não querendo fazer de jovem veneziano na tentativa de deslumbrar o imperador dos tártaros... Kuala Lumpur não deslumbra na chegada, mas apaixona na estadia e deixa saudades na partida.
Pela pluralidade, múltiplas influências, múltiplos diálogos, pelas múltiplas convivências de gentes, culturas e religiões e pelas implicações que transportam para a arquitectura, para o urbanismo, para a urbanidade e aqui incluindo cheiros, paladares e sons, pela constante descoberta do improvável e do surpreendente, KL merece que seja incluída nos itinerários obrigatórios mundiais urbanos... Implica disponibilidade para a descoberta e convida à reflexão. Enfim... atrai e contagia!

 
BERLIM por Diogo Matos

acordei. olho para o relógio. o único objectivo que me movia hoje foi falhado. a mensa vai fechar dentro de 10 minutos. nao importa. preparo-me, saio de casa depressa. acabei de chegar de munique onde passei o natal, a casa ainda nao teve tempo de aquecer e por isso a temperatura invernal ambiente ainda se sente integralmente dentro do meu quarto.
vou dar uma volta de metro, de livro no bolso. cruzo a cidade. leio. passou uma hora e meia, continuo sem saber o que fazer, nao combinei nada com ninguem, nao me apeteceu. gosto de estar sozinho. nunca tinha estado sozinho antes de vir viver para berlim. um ano sem objectivos, um ano sem horários. mais tarde vou descobrir que não gosto de não ter objectivos ou horários, mas pelo menos por enquanto sabe-me extremamente bem. o dia concede-me mais duas horas de luz, resolvo aproveita-las. vou dar uma volta por Prenzlauer Berg, sentar-me num café beber algo quente.
o meu primeiro contacto adulto e autónomo com berlim aconteceu há três meses. não foi uma cidade fácil de decifrar, assustou-me. nunca tinha esperado uma cidade tão áspera, tão estranha. guiei pela cidade seguindo as orientações do luis, munido de mapa. procurávamos uma casa, tarefa dificil. tudo parecia desadequado, por incrivel que pareça acabamos por escolher a mais desadequada de todas. no entanto, adoro-a. a sua localização é simplesmente surreal, longe de qq tipo de referencia que possa indicar. quando a visitamos deixei-me seduzir pela luz que inundava aquele que viria ser o meu quarto através das duas janelas verticais enormes. a casa é caricata. o duche é na cozinha, ou melhor num cubiculozinho dentro da cozinha. a água quente controla-se do lado oposto ao sítio onde se toma banho. a senhoria é um tipo de pessoa que seria muito dificil de conhecer no porto. com 65 anos de idade fala um inglês perfeito, doutorada em botânica provavelmente cultiva erva no quintal atrás de nossa casa.

-"berlim não tem charme" - reajo com indiferença. passou um ano desde que deixei berlim, vivo numa cidade que suponho eu, deverá ter charme, se me apetecer mijar contra uma parede provavelmente sou preso e deportado. os carros so podem estar estacionados nos lugares brancos, os azuis sao para moradores, os amarelos so durante a noite. a cidade é limpa. estou farto de charme, este ambiente esterilizado irrita-me. quero poder berrar em casa sem ter a policia 10 minutos depois à porta. quero festas em caves onde me sinto claustrofóbico e tenho de baixar a cabeça para passar nas portas. quero ver grafitis. quero avenidas gigantes. quero sujidade, fumo, pedintes, metro, alcoolicos. sei q nunca deixei berlim.

 
BERLIM por Paulo Moreira

A relaçao de afecto que tenho com Berlim está a apurar-se à distancia.
Ao ler sobre Kreuzberg.
Ao ouvir Miss Kittin.
Ao ver fotografias de Michael Schmidt ou Gabriele Basilico.
Nos primeiros dois dias em que estive nesta cidade senti-me perdido. Nao havia referências, precisava de ajuda. Mas aquele frio lentamente atravessava a minha roupa e comecei a incorporar o espírito da cidade.
Uma semana em Berlim é pouco e por isso voltei na primeira oportunidade que tive. De Bonjour Tristesse a um jantar vietnamita em Prenzlauer Berg, um bar de praia artificial, uma gelataria com música ao vivo e coisas em segunda mao à venda. S-Bahn, U-Bahn, faltam azulejos nas estaçoes de metro e as vigas estao à mostra. As imensas empenas de edifícios ocupados ou desocupados deixam espaços livres que nao sao praças nem nada, sao os espaços incertos de Berlim. Há um muro em ruinas e uma ruina de um edificio que nao chegou a ser novo. Em Berlim há turcos e nos bares joga-se matrecos. Há mercados baratos e edifícios de gaveto. A cidade fomenta a produçao de artistas fornecendo-lhes condiçoes. Isto de ir conhecendo uma cidade à distancia nao é um conceito que me agrade particularmente, nao ajuda à rotina nem facilita a orientaçao, por tudo isso sei que vou voltar a Berlim.

quarta-feira, março 01, 2006

 
LA CHAUX-DE-FONDS por Paulo Moreira

Três anos antes tinha escolhido as primeiras casas de Charles-Edouard Jeanneret para estudar na disciplina Métodos e Linguagens da Arquitectura Contemporânea, na FAUP. Interessou-me o ponto de partida, queria saber mais sobre como tudo tinha começado, ia ter muito tempo para perceber aquilo que viria a seguir. Charles-Edouard nasceu em La Chaux-de-Fonds, uma pequena cidade no vale do Jura, fronteira entre Suiça e França. Partiu para Paris aos trinta e um anos, e aí nasceu ‘Le Corbusier’. Aquilo que me interesava era saber quais as suas raízes, pois nao acreditava nas críticas supérfluas que consideravam essas casas ‘horríveis’, que ‘nao tinham nada a ver’. Custa-me acreditar porque acho que o que fiz até agora e o que vou fazer até aos trinta e um anos vai servir para alguma coisa, espero eu. Quando finalmente a ocasiao se proporcionou, chegava à Suiça pela parte francesa e propus essa visita aos ‘chalets’ da colina La Pourriel.
Por ordem cronológica, as casas vao aparecendo num caminho tortuoso. A primeira foi construída quando Charles-Edouard tinha dezoito anos, seguindo-se outras duas para familiares e amigos próximos, e finalmente a casa Jeanneret-Perret, projectada e construída depois da viagem à Grécia. Este facto é importante porque a técnica construtiva, as soluçoes formais, o branco, a implantaçao e o percurso talvez se refiram à Acrópole.
Seguidamente Charles-Edouard desceu a colina. A cidade é um caso de estudo urbanístico, trata-se de uma grelha ortogonal que forma quarteiroes estreitos e compridos. O plano deveu-se a um incêndio que destruiu grande parte da cidade (tal como noutros casos o progresso urbanístico decorreu de uma desgraça). Charles-Edouard construiu um cinema que já pouco tem de original e a Villa Schwob, mais conhecida em La Chaux como ‘Ville Turque’. Turca porque Charles-Edouard viajara à Turquia e trouxera algo daquela cultura. Passados cerca de dois meses da primeira visita, voltei a La Chaux-de-Fonds. A intençao era procurar um terreno para o projecto académico, uma vez que a escolha era livre. Acabei por nao fazer o projecto nesta cidade, por motivos que nao têm a ver com este texto. Mas esses dois dias sozinho em La Chaux-de-Fonds tiveram o seu encanto. A Vila Turca pertence a uma conhecida marca de relógios (a indústria forte da regiao), que uma vez por mês abre as suas portas ao público. Por sorte esse único Sábado mensal era o dia em que cheguei. Como chovia lá fora, fiquei várias horas dentro da casa, em cada espaço, na sala com pé direito duplo, nos quartos com passagens escondidas, na cave onde se mostra um filme sobre Le Corbusier. Foi uma tarde especial.
A terceira visita ocorreu cerca de um ano depois, sabe sempre bem repetir aquele caminho como um peregrino percorrendo as capelinhas.
Nao voltei a La Chaux-de-Fonds mas muitas vezes me lembrei daquelas casas quando visitava Ronchamp ou La Tourrette. Parece-me que, mesmo inconscientemente, as raízes suiças de Le Corbusier para sempre o acompanharam. Numa dessas visitas o meu professor falou das centenas de quilómetros que fez quando Le Corbusier morreu, só para se despedir do seu corpo. Este tipo de discursos ficam na memória. Fica também o trajecto que o jovem Charles-Edouard percorreu, que fez do seu próprio percurso um itenerário que muitos vao continuar a seguir.

Archives

outubro 2005   novembro 2005   dezembro 2005   janeiro 2006   fevereiro 2006   março 2006   abril 2006  

This page is powered by Blogger. Isn't yours?