city-scape

terça-feira, outubro 18, 2005

 
SARAJEVO
Às vezes passamos por experiências que nos fazem reflectir sobre o que andamos a fazer por aqui. A viagem a Sarajevo teve um carisma especial por ter sido feita de carro. Julgo que se chegasse directamente de avião não teria o mesmo impacto. Desde logo uma paragem prolongada na fronteira e o desejo de 'boa sorte' por parte da polícia. Uma viagem silenciosa, casa destruídas continuamente, um tanque de guerra a chegar pela direita: terá prioridade? Por cada aldeia destruída há um cemitério improvisado e novas casas a crescer com bandeiras ao vento. As ruínas não são como as que conhecia, desta vez há buracos de balas, de bombas, que paisagem forte. Passámos por Mostar e chegámos à capital, Sarajevo. A entrada na cidade é marcante, prédios enormes abandonados, queimados ou devidamente ocupados. Trânsito, semáforos, capacetes azuis. Tivemos a sorte de ter conhecimentos, valem tanto numa cidade destas! Em qualquer cidade, pensando bem. Marcámos um encontro e desde logo tivemos uma grande ajuda em encontrar hotel a preço bósnio, náo turístico.
Estudantes de arquitectura como nós os 3, mostraram-nos a cidade, a faculdade, alguns bares entre os quais o Orange, desse lembro-me do nome. Comida típica, qualquer coisa com iogurte, uma esplanada dentro de um quarteirão cheia de gente ao sol, a conversar. Casa baixinhas no centro, muitas lojas, as pessoas caminham sempre do lado direito como os carros.
Mesquitas, Igrejas, Sinagogas em igual número: a raíz dos problemas. E em Sarajevo começou a 1ª Guerra Mundial, povo com tradição bélica mas sem saber explicar muito bem porquê. Há um grande orgulho em certas obras recentes, querem mostrar que o pior já passou, querem mostrar-nos a ponte do Renzo Piano mas nós não queremos ver: há coisas mais importantes.
As encostas pontuadas por cemitérios, o campo de treinos de futebol transformado em cemitério, que visão macabra, um rectângulo relvado com uma grelha de cruzes.
'Como conseguem viver assim?', perguntámos. Ter que conviver dia-a-dia com tanta destruição. 'Haviam de ter cá estado há 5 anos, isso sim era difícil'. Agora a vida corre normalmente, a gente é simpática, sorri, a cidade é incrivelmente segura, bonita, chocante.
Paulo Moreira

 
RIO DE JANEIRO

Um poema no feminino, solto de falas, de gestos, de cores.
Vestida de sépia se sobe o morro …manchada de verde se vista do céu.
Lugar de medo, de vida a mais, preenchida pela dor de muitos, vontade de poucos, sorte de todos.

Pincelada de urbano em mar de tinta.
Polegada marcada por dedos sujos que rodam imagens carregadas, pisam os entres, trilham os altos.

Hipótese de sonhos nunca concretizadas, percurso de tempo pensado em derradeiros ou longos momentos…história contada aos que nada sabem. Memória dos que sabem, momento.

Cidade de riscos planos, recortes macios, tumultos falhados, vultos morenos, rostos salgados.
Cidade de povo escuro, de sorriso escorregadio e olhar apertado. Cidade que escuta, que vigia, que vende, que vive. Que celebra e manifesta.
Cidade que foi. Cidade que, hoje, é.


Joana Simões
(texto entitulado 'O Rio de Janeiro continua lindo'_ Gilberto Gil
publicado no jornal 'TGV', FAUP em Janeiro de 2005)

 
VIENA
Viena apareceu em 2 momentos da minha vida, 2 viagens impossíveis de esquecer. Pelas circunstâncias em que aconteceram esses encontros... adoro esta cidade!
Em 2003 fiz com uns amigos uma viagem de 1 mês pela Europa de Leste. Chegámos a Viena vindos de Praga e Brno, fartos de ser enganados, pagar multas sem saber porquê, levados para o hotel errado, pagar as refeições mas não ter direito a elas, e mais outras histórias que não interessam para o caso. O que é certo é que Viena serviu para ter contacto novamente com a civilização europeia. Bem instalados, muito bem instalados, contra todas as espectativas gastámos menos dinheiro em Viena do que em Praga.
Há cerca de 2 milhões de habitantes, escala suficientemente aceitável para ter tudo o que uma grande cidade tem, mas sem se perder o sentido de orientação - o rio de facto dá muito jeito a certas cidades. Há inúmeros focos de interesse em Viena, a arquitectura de Otto Wagner e Adolf Loos, por exemplo. E houve surpresas agradáveis, como um pavilhão de Wagner ser um bar, ou a proprietária da casa Steiner de Loos ter aberto a porta a 4 estudantes de arquitectura, felizardos por ser Fevereiro e consequentemente haver poucas camionetas de turistas.
Há alguma arquitectura contemporânea interessante, Adolf Krischanitz e eventualmente Heinz Tesar e Coop Himmelblau, dependendo dos gostos. Hundertwasser é algo que toda a gente devia ver, pois coisa mais estranha é difícil encontrar nos nossos dias.
A cidade funciona muito bem, óptima rede de metro, 1 ou 2 minutos de espera em hora de ponta. Supermercados Billa, que descoberta útil, desconhecidos até então. E, já cá faltava, o bar Schikaneder, o meu género de sítio, relaxado, bem frequentado (excepto no 1º dia, mas não sabíamos), projecções porreiríssimas, uma montra, cadeiras e mesas todas diferentes, ambiente cosmopolita, cerveja a 3 euros, que saudades. Aconselho vivamente a discoteca Flex, junto ao rio, trash q.b., óptimo sistema de som, música electrónica puxada, como convém.
Pouco mais de 1 ano depois desta visita, dias após a conquista da Champions League, e fartos uma vez mais do excesso de turistas e do conceito de diversão de Praga e da má experiência na tentativa de ficar em Brno, eu e um amigo resolvemos voltar a Viena. Eram 11 e tal da noite e conversávamos num McDonalds qualquer: 'Vamos saír à Flex?'. Assim foi, Schikaneder, Flex, dormir no carro e de manhazinha visitar o estádio onde o FCP se sagrara Campeão Europeu 17 anos antes. Viena até à próxima!
Paulo Moreira

segunda-feira, outubro 17, 2005

 
MACAU
(...) Pareceu-me um exercício interessante parar no frenético modo de vida que sempre me persegue e pensar nos elementos que cedo formaram os ‘preconceitos’ que tenho deste lugar. Em Macau a característica territorial talvez mais marcante será a conquista de espaço ao mar – um processo que desde cedo existiu e que está longe de ter terminado. É certo que as cidades nascem no planeamento, sendo os edifícios o resultado dum sistema que prevê infraestruturas e acessibilidades. São eles, no entanto, que imediatamente nos atraem o olhar. Intuitivamente, ao contemplar Macau quando chegado do Ocidente, gravei uma série de imagens na memória, tratava-se de um mundo novo e desconhecido, imaginário do desenvolvimento do Oriente.
Edifícios massivos, destacavam-se imediatamente das referências até então mais próximas, os blocos habitacionais da Europa de Leste. Macau caracterizava-se por uma apropriação intensa por parte dos ocupantes. Estes edifícios não me chocaram só pela grandiosidade, impressionaram pela diversidade. Prevista, acrescentada, exagerada.
É interessante descobrir, hoje, que o que me fascina nestas construções não é certamente a elegância, não é a harmonia, será talvez a fealdade, eventualmente a degradação provocada pelo uso, pela insistente rotina de numerosas famílias que caminham pelas ruas, frenéticas, que falam, compram, vendem, trabalham – e vivem numa casa.
É uma beleza que me atrai, a das cidades, mais do que a do mundo rural. Nas cidades queremos prédios, confusão, barulho, comércio, serviços, carros, semáforos, lojas, gente a viver e a divertir-se, ou a stressar com o repouso. Periferias, zonas industriais: em Macau a própria cidade é tudo isso (fábricas em altura ladeadas por habitação e estacionamento...).
Julgo que o trabalho dos arquitectos, numa época de mudanças e prosperidades, deve ser o de compreender e interpretar estas heranças construídas. Como português-europeu-ocidental parece-me que o caminho a seguir deverá ser o de contribuir com uma visão crítica, abstracta e positiva para o crescimento da cidade.
A abertura da China ao Ocidente deve ser entendida no sentido de combinar, baralhar, simplificar, filtrar os elementos da sua arquitectura – só assim se garantirá a imagem homogénea de um território contínuo, com carácter, contemporâneo.
(...) Na minha opinião devemos dar continuidade à rota que alguma arquitectura em Portugal e na Europa segue, conjugá-la a tendência que Macau nos oferece: e assim garantir que continuamos presentes na história deste lugar. Julgo que a questão não deverá ser só a de seguir o rumo da pressão económica, a arquitectura deve permanecer forte e determinada na busca de um contributo cultural e social. Para tal, mais do que acompanhar as correntes do nosso tempo, considero que devemos antecipar o futuro – é afinal esse o papel do arquitecto, imaginar uma paisagem construída que mais tarde fará parte do imaginário de um determinado lugar.
Há que saber amparar e acompanhar Macau na ambiciosa conquista do mar, já que afinal foi essa ambição que um dia nos fez enfrentá-lo.
Paulo Moreira
(texto entitulado 'A Imagem da Cidade' publicado no jornal 'Hoje Macau' em 04.05.2005)

 
ATENAS
Há poucas cidades que me atraiam tanto. Atenas tem aquilo que eu procuro, o caos, a poluição, a descontração, a ocupação, a gastronomia, a frequência das ruas, e muito mais que tudo isto. Passei 3 vezes por lá em anos par, 2000, 02, 04. Em 2006 lá terei que voltar, com todo o gosto vou manter a tradição.
As duas primeiras idas tiveram contexto muito particular, férias de família na Grécia, uns dias em Atenas só pra picar o ponto na capital. Alguns museus, obviamente a Acrópole (à qual já voltarei), passeios pela Plaka, inesgotáveis, nem uma saída à noite. Agrada-me percorrer a cidade de carro, olhar para aqueles edifícios de aspecto clandestino, separados uns dos outros, com armaduras de ferro não rematadas no cimo das coberturas planas. De vez em quando há tentativas de modernizar a paisagem, edifícios feios que conferem à cidade um carisma especial, uma imperfeição que me comove.
Atenas é mais do que sentir o peso de um Império ido, apesar dos locais se refugiarem no 'berço da civilização' como nós fazemos com os Descobrimentos. Provocam-nos também insistentemente com o resultado do Euro 2004, ainda mais naquele Verão.
A escala da cidade agrada-me, 3 ou 4 milhões de pessoas. Criam-se naturalmente alguns bairros com diferentes conotações, como Psiri e Nea Smirni, aos quais comecei a afeiçoar-me na última visita. Vindo de Corfu, em pleno Agosto, inter-rail, Jogos Olímpicos, que animação. Foi diferente daquela vez, estar por minha conta em casa de um amigo ateniense, que dali a 2 meses iria prestar serviço militar, obviamente desejoso de queimar os últimos cartuchos de liberdade. O espírito hospitaleiro dos gregos é inigualável. Rodeados por países politicamente instáveis, com longa tradição de guerras, para os gregos é extremamente importante receber bem a Europa e o Mundo.
Estar em Atenas implica visitar a Acrópole, já para não falar no Licabetus, que vistas inacreditáveis da cidade. Na Acrópole percebe-se o que é arquitectura, apesar de posteriormente não ser fácil explicar. Gosto de ficar sentado à sombra a olhar para o Parthenon, muito tempo, desenhar, fotografar. É das coisas que me dá prazer na vida, dos lugares onde realmente sinto qualquer coisa especial, não há muitos em que isso aconteça. Igualmente marcante é confrontar o que rodeia esta colina monolítica, um aglomerado de edifícios, uma cidade com carácter.
Viver os Jogos Olímpicos é como dar a volta ao mundo sem saír do sítio. Quem diria que no mesmo dia era possível assistir a um jogo da dream team com um amigo americano, encontrar conhecidos espanhois, mais tarde brindar com iraquianos, caminhar pelas ruas e reconhecer nacionalidades pelas bandeiras que cada um exibia. Em Atenas a cidade e os seus habitantes também participavam, compravam-se bilhetes no mercado negro, na praça principal, legal por ser ali. E assim fui ver o Obikwelu e a final feminina de volei de praia, mais que um jogo, uma autêntica beach party.
Positiva a possibilidade de fugir da confusão turística, sorte estar com alguém que conhece os sítios, as melhores praias, os restaurantes mais incríveis, uma discoteca onde sem dúvida passei uma noite inesquecível: Envy Sea Side.
Há tanto a dizer sobre Atenas que nem sei por onde começar.
Paulo Moreira

 
ZURIQUE
É para mim sinónimo de boa vida. Vivi 1 ano a 1 hora de Zurique, por isso ia lá algumas vezes. Saír à noite, passar o dia, apanhar o comboio ou avião para outro sítio qualquer. Algumas destas idas a Zurique correram francamente bem, por isso tornou-se para mim uma cidade simpática e positiva. A opinião que temos dos sítios depende em grande parte da experiência que lá vivemos. Os lugares nem sempre mudam, mas as circunstâncias sim. Trabalhando durante a semana em Basileia e fugindo para Zurique de vez em quando nos dias livres, fez com que associasse esta cidade ao descanso e divertimento.
Um dia passado nas ruas comerciais, ricas, carros extraordinários, gente bem-parecida, cosmopolita, materialista, snob. Olhar o lago, passear no parque e visitar a última obra de Le Corbusier. Entrar numa óptima livraria, lanchar na confeitaria mais chique a que já fui. À noite jantar Kebab, iniciar itenerância de bares, despreocupados, mesas corridas, pesadas, mobiliário diverso, antigo, posters nas paredes, luz de velas, sorrisos, muito frio lá fora. Dançar em grupo, ser bem recebido, ouvir um concerto num último piso de uma casa qualquer com jardim. Beber um copo debaixo da copa de uma árvore gigante e de seguida ir à Supermarket com ténue noção das coisas.
Zurique é uma cidade segura, é possível dormir num parque de estacionamento dentro do carro e aproveitar o dia seguinte nas margens do lago, fazer amizades e cultivar o corpo e o espírito. Participar na Footjam 04, fim-de-semana completo na Rote Frabrik, descontracção, desporto e convívio. Definitivamente também a Street Parade 04 ficará para sempre na memória, a viagem de comboio em grupo, os shots de absinto, a música imparável e o desfile de personagens calorentas na estação central, um dia sem regras na Suiça. À noite, uma festa da espuma, um relógio a menos, peças de roupa, chinelos, ambos os pés cortados mas a certeza de uma grande diversão. 1 ano antes, em circunstâncias muito especiais, vida Erasmus, fui a Zurique buscar lâmpadas para uma festa à empresa que ilumina os maiores eventos da região. Um Clio vermelho, eu e duas amigas mais altas. Chegar à noite, ir beber um Porto nesta companhia, no dia seguinte acordar com a certeza de vir a ter histórias pra contar. Não há nada como ter a espontaneidade de apostar e a felicidade de ganhar.
Paulo Moreira

domingo, outubro 16, 2005

 
PORTO
Refiro-me à minha cidade. Onde nasci. Não quero, não é esse o intuíto destes textos, descrever os passeios de granito e a neblina romântica, as pontes e as escarpas construídas que caem em direcção ao rio. Prefiro enumerar experiências, pensar em coisas que aconteceram hoje mesmo. E uma vez que escrevo a poucos dias de abandonar novamente a minha cidade, depois de já a ter deixado noutras ocasiões, apetece-me referir as últimas coisas que tenho feito por cá, sem saudosismos de infância. Faz 1 ano que voltei, depois de 2 anos fora. Muita coisa se passou, especialmente ter vivido o Porto com uma nova atitude, tenho consciência disso. Andar a pé pela Baixa, almoçar numa tasca em Cedofeita, comprar qualquer coisa numa loja escondida e lanchar na porta ao lado. Viajar de casa até ao centro, 20 minutos a experimentar a cidade, alterar os percursos por diversão, estacionar facilmente em lugar privado, subir ao atelier, fechar a porta e pensar sozinho ou acompanhado. O Porto mudou para mim, desloquei-me: de dia e de noite. Recuperei uma parte do tempo perdido, fiz por isso. Vivi paradoxos nesta cidade, os sítios onde ia e com quem o fazia, um ano de transição, o fim de um ciclo, eventualmente.
Parte importante do meu ano foi vivida numa sala com 3 janelas, 2 mesas e 1 sofá na Rua Mártires da Liberdade. Isso mudou tudo. Descobri coisas que não tinha ainda experimentado e regressei a sítios que havia deixado pra trás, o Estádio do Dragão, a Casa da Música, as Moagens Harmonia, o Fantasporto, os churrascos da FAUP, as festas na garagem de taxis, na Alfândega, no Bairro Inês, na Breiner House. O Cubo, Piolho, Passos Manuel, Artes Múltiplas, Contagiarte, Indústria, há muito pra viver. Um dia que volte quero descobrir que há muito mais ainda, sentar-me com amigos num restaurante qualquer, comer uma francesinha e orgulhar-me da minha cidade. O Porto.
Paulo Moreira

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