city-scape

sábado, janeiro 07, 2006

 
LONDRES por Paulo Moreira

Nunca vou saber como poderia ter sido o dia em que não fui a Londres.
Ficaria hospedado em Hackney Downs num armazém transformado em casa ilegal por cima de uma sucata. Na rua haveria homens em volta de barris metálicos incandescentes, debaixo da linha de comboio.
A casa teria um carisma especial por não parecer uma casa. Um espaço de grandes dimensões apropriado por muitas coisas: muitas cassetes de video, muitos cd’s, muita roupa, muitos livros, cadeiras, muita coisa. Nos extremos deste espaço haveria divisórias que encerrariam três quartos pequenos, que aproveitariam a grande altura do espaço com uma mezzanine onde se poderia dormir. O espaço central teria uma janela em toda a extensão, ao nível da linha ferroviária. Pareceria que os comboios estariam dentro de casa, mas em silêncio, haveria uma música qualquer inovadora que esconderia esse barulho.
Na televisão poderia ter visto o Metropolis, numa tábua-de-passar-a-ferro transformada em mesa estaria um mac, obras de arte recicladas e papéis com agendas de concertos.

Nunca vou saber como poderia ter sido o dia em que não fui a Londres.
Iria com certeza à livraria do RIBA, compraria um livro de fotografias sobre os territórios ocupados da Palestina e outro sobre o espaço público incerto de Berlim. Iria a Camden Town comprar um casaco em segunda mão, uns pins para dependurar nos bolsos das calças e um cd de música electrónica alemã.
Depois regressaria a casa, East London, pela janela do comboio veria fábricas com ar abandonado e torres lá ao fundo.
À noite iria por exemplo a uma festa seventies onde o próprio espaço cheiraria a naftalina, toda a gente se deverteria muito com aquelas roupas. Poderia em vez disso ir até West London ao ‘Notting Hill Arts Caffé’, onde conheceria gente de todo o mundo que me perguntaria desde quando é que estava em Londres. Ou então iria ao The End, à festa ‘Trash’ das Segundas-Feiras, as pessoas usariam gravatas pequenas por cima de t-shirts e a música oscilaria entre techno e revivalismos dos anos oitenta.

Nunca vou saber como poderia ter sido o dia em que não fui a Londres. Iria a Satchi Gallery ver uma exposição espectacular qualquer, passaria pela Serpentine Gallery para ver o pavilhão provisório Siza & Souto Moura, e depois iria à Tate Modern ver objectos e projectos em que participara. A exposição ocuparia a grande sala das turbinas, haveria mesas dispostas no espaço aleatoriamente, cada uma mostraria projectos em várias cidades, Nova Iorque, Tokio, Pequim, Barcelona, Hamburgo, San Francisco. Seria uma experiência única, ver num museu de arte contemporênea tão importante como a Tate Modern maquetes em madeira, cartão, gesso e protótipos de tijolo que produzira em Basileia alguns meses antes. Na livraria folhearia um livro das ‘Chicks on Speed’ organizado como uma casa com vários pisos e várias divisões, gostaria de comprá-lo mas talvez fosse demasiado caro.

No dia em que poderia ter ido a Londres não fui por isso não fiz nada disto. A 7-7-2005 explodiram algumas bombas na cidade e não havia transportes, passaram-se uns dias caóticos. O meu voo não foi cancelado mas resolvi não ir. O shuttle de Stansted para Liverpool Street não funcionava, o metro não me levava à Tate, o comboio não passava em frente à casa de Hackney Downs, como se estivesse lá dentro. Algumas pessoas telefonaram-me para saber se estava bem mas eu não tinha ido, por isso estava bem. Em vez da festa seventies fui ao Churrasco na FAUP, em vez do ‘Arts Caffé’ fui à festa no ‘Bairro Inez’, também havia gente de todo o mundo, a exposição já tinha visto em Basileia,
não ia ficar muito tempo a pensar no que não tinha feito em Londres.





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